3 de março de 2009

O menino que queria uma estrela

Por Fábio Reynol

Eram só os dois debaixo da noite clara, quando o pequeno olhando firme para o céu falou:

- Pai, me dá uma estrela?

O homem perturbou-se. Estava ali um menino que queria uma estrela. Por um acaso dos ventos, era o seu filho. O que no mundo acenderia tal desejo no coração de uma criança? Está certo, pensou melhor o homem, o pedido não poderia vir de um adulto. Os adultos não querem saber das estrelas. Se as olham é para ver se nelas há gás, se são anãs brancas ou supernovas, se estão a tantos milhões de anos-luz, se vão explodir ou nascer, coisas absolutamente irrelevantes para quem recebeu a tarefa de entregar uma delas ao próprio filho. Será que os homens que estudam o céu já pediram alguma vez uma estrela aos seus pais? “Acho que não”, concluiu.

O menino que queria uma estrela aguardava em silêncio a resposta do pai. Fitava hipnotizado o pontilhado céu. Pescoço esticado, esperava sem pressa as interlocuções do perturbado adulto. Imaginava onde guardaria sua estrela, se debaixo do travesseiro ou da cama, num lugar onde a mãe não fosse danar com ele, “menino, tire essa estrela do caminho que alguém vai tropeçar nela!” Depois pensou se o deixariam levar sua estrela para a escola. A mostraria orgulhoso aos colegas, diria que fora presente do pai gigante que esticou alto o braço e, como que arrancando a suculenta jabuticaba do galho mais alto, colhera uma estrela que brilhava forte na palma de sua mão.

O pai do menino que queria uma estrela agora pensava na própria infância. Tentou lembrar por que razão ele nunca havia pedido uma estrela ao seu pai. Relembrou vários momentos de criança, de como era bom roubar doces na cozinha, brincar debaixo da chuva e de ficar até tarde da noite acordado só para não ter que dormir na hora certa. Nessas noites, ele costumava ver céus povoados de galáxias. Pensava se um disco voador viria lhe falar que ele era um dos pontinhos brancos vistos lá do planeta dele. Lembrou-se também duma noite em que começou a contar as estrelas e dormiu no chão antes de terminar. Mas nunca se lembrou de pedir uma delas ao pai. Perguntou-se se teria sido mais feliz se tivesse ganhado uma estrela. Não conseguiu responder.

Enquanto isso, o menino que queria uma estrela brincava em pensamentos com a estrela que ainda não tinha. Fitando uma a uma no espaço, imaginava por que haveria de existir tantas estrelas se não fosse para serem distribuídas às crianças que precisassem delas. E ele precisava de uma. Era uma questão de fe-li-ci-da-de. Como uma criança poderia ser feliz sem uma estrela? “Não. Não há como”, o menino respondeu-se.

O pai do menino que queria uma estrela desceu dos pensamentos, abaixou a cabeça e observou o filho pequeno lá perto do chão. Olhou novamente para o cosmo e sentiu-se incrivelmente próximo dele. Era de fato um gigante que tocava o céu com as mãos. Sentiu-se maior ainda porque tinha a missão de buscar uma estrela para um menino. Nunca lhe haviam confiado uma tarefa tão preciosa. Em silêncio, o homem esticou não um, mas os dois braços para o universo e enlaçou o céu com suas mãos gigantescas. Colheu um punhado de estrelas da constelação mais brilhante, chacoalhou as mãos juntas em concha para sair o excesso, olhou as que sobraram e dentre elas pinçou a mais bela. Aconchegou-a delicadamente entre as mãos como quem carrega um pintinho recém-nascido. Agachou-se para o filho.

- Abra o bolso.

O menino obedeceu com os olhos arregalados de felicidade, mal acreditando no que via. Fechou a boca do bolso com as duas mãozinhas para não deixar nem um pingo de luz escapar. Ainda inebriado, estendeu uma mão ao pai e manteve a outra no bolso segurando a sua estrela. Em silêncio, o pai e o menino que tinha uma estrela voltaram para casa emocionados por levarem consigo um pedaço daquele céu.

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